terça-feira, 24 de março de 2009

Texto 1 -Livro Didático

Luzia-Homem
- Por que lhe deram essa alcunha*?
- Eu lhe digo, seu doutor. Desde menina fui acostumada a andar vestida de homem para poder ajudar meu pai no serviço. Pastorava o gado; cavava bebedores e cacimbas*; vaquejava a cavalo com o defunto; fazia todo o serviço da fazenda, até o de foice e machado na derrubada dos roçados. Só deixei de usar camisa e ceroula e andar encoirada*, quando já era moça demais, ali por obra dos dezoito anos. Muita gente me tomava por homem de verdade. Depois meu pai, coitadinho, que era forte como um touro, e matava um bode taludo* com um murro no cabeloiro*, morreu de moléstias, que apanhou na influência da ambição de melhorar de sorte, na cavação de ouro no riacho de Juré. Daí em diante, começamos a desandar. Minha mãe, sempre muito doente, e nós duas muito pobres de tudo, menos da graça de Deus, vendemos as miúças* e cabeças de gado, que tiramos à sorte da produção da fazenda, os animais de campo é até o meu cavalo castanho-escuro, calçado dos quatro pés e com uma estrela na testa... o meu querido Temporal... Tudo isso para não morrermos de fome quando veio esta seca...Soluços lhe embargaram a voz, e desatou em copioso* pranto.
- Sossegue moça, - disse-lhe o Delegado compassivo - a sua sorte nos interessa. Está entre amigos de quem só deve esperar benefício; mas... é preciso ter paciência. Alexandre tem por defesa os melhores precedentes e todos o abonam; entretanto é indispensável que fique detido enquanto duram as diligências do inquérito...
- Preso?!... Não é possível! - exclamou Luzia. - Vossa senhoria não fará tamanha injustiça. Eu lhe peço por vida de seus filhinhos... Alexandre é inocente!...

*alcunha = apelido
*cacimba = poço
*ancoirado (encourado) = que veste roupa de couro
*cabeloiro = tendão que vai da cabeça à extremidade vertebral do animal
*miúça = pequena porção / gado miúdo
*copioso = abundante


G. Mattos & L. Megale. Português 2° grau.

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